História Internacional
O feminismo, ideologia nascida no decorrer do século XIX, consiste na defesa da “igualdade social, política e económica dos sexos” (Adichie, 2017). O termo foi utilizado pela primeira vez, na década de 1830, pelo socialista francês Charles Fourier, que o defendia nas suas obras afirmando que “a extensão dos direitos das mulheres é o princípio básico de todo o progresso social”.
Desde o seu surgimento, foram muitas as batalhas travadas pelos ativistas e defensores do movimento em busca de igualdade de oportunidades, reconhecimento e liberdade.
Devido à diversidade de conceitos, prioridades, objetivos e valores adotados e apoiados pelo feminismo, existe a necessidade de dividir a história do movimento em três períodos distintos, denominados: Primeira Onda, Segunda Onda e Terceira Onda.
Primeira onda
A primeira onda do feminismo decorreu entre o final do século XIX e início do século XX, tendo como cenário os Estados Unidos da América, e sendo protagonizada “por mulheres em torno da luta por igualdade política e jurídica entre os sexos” (Marcelino, 2018). Durante este período, as ativistas detinham como principal objetivo a emancipação política da mulher, em duas vertentes:
(a) a conquista do sufrágio universal;
(b) a legalização do divórcio.
Os movimentos feministas também lutaram pela abolição da escravatura.
“Situa a primeira onda dos movimentos na virada dos séculos XIX e XX e no entre guerras, com as reivindicações por cidadania, voto, trabalho, educação: os chamados feminismos da igualdade.” (Lago, p.4).

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A primeira onda feminista pode caracterizar-se pela sua desorganização e falta de ideologia central, ou líderes reconhecidos. Segundo LeGates (2001), a necessidade dos movimentos nasceu devido a uma variedade distinta de problemáticas e contextos.
O facto desta primeira onda pretender romper com vários padrões sociais patriarcais levou a que o processo se tornasse longo e demoroso, o que deu espaço para o surgimento do “Movimento Sufragista” - com manifestações em vários países do mundo e com a finalidade de conquistar o direito ao voto. Como resposta a estes ideais de igualdade (julgados como radicais e extremistas) surgiram vários movimentos anti sufragistas.
Segunda onda

A segunda onda feminista ganhou mais impacto durante a década de 1960, indo buscar inspiração ao Movimento dos Direitos Civis. É possível definir-se este período como sendo a continuação da fase anterior, “as mulheres prosseguiam na sua busca pela igualdade de direitos tal como na primeira vaga”(Bernardino, 2018). A criação de organizações, como a National Organization for Women, garantiu à segunda onda um estatuto mais estruturado e planeado, onde os objetivos do movimento se encontravam, pela primeira vez delineados e universalmente aceites.
Simone de Beauvoir - importante figura no seio da segunda onda - escritora, intelectual, filósofa existencialista e ativista política ficou conhecida como a mãe do feminismo. Na sua obra, publicada em 1949, Segundo Sexo, a autora francesa “problematiza o conceito de “mulher” enquanto construção social, antecipando, em mais de duas décadas, aquela que seria uma das questões centrais para o feminismo da Segunda Vaga” (Macedo, 2016). Como resposta à questão inicialmente formulada por Simone, a mesma explicita:
“Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico ou econômico determina a forma que a fêmea humana assume na sociedade; é a civilização como um todo que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam como feminino.” (Beauvoir citado em Yenor, 2019).
No ano de 1963, nas revistas femininas, Betty Friedan, incentiva a exposição daquilo que eram as preocupações feministas do momento, mesmo sabendo que esta partilha não iria ser bem vista pela sociedade. Publicou também The Feminine Mystique, um livro de não-ficção em que criticava o papel da mulher após a II Guerra Mundial e o facto de a sua missão se resumir a casar e procriar.
A evolução da medicina contribuiu para a emancipação sexual da mulher, pois no decorrer da década, foi lançada a pílula contraceptiva, que permitia às mulheres usufruirem de um maior controlo sobre o seu sistema reprodutivo (no espaço de 5 anos, cerca de seis milhões de mulheres utilizavam a pílula).
A entrada da mulher no mercado de trabalho foi uma das vitórias da segunda onda, ainda que as situações discriminatórias e abusos de poder continuem a ser uma realidade. Durante este período, os Média foram um importante meio de divulgação das mensagens feministas, pelo “(…) papel que estes desempenham na obtenção de consentimento e poder público, na construção de papéis e imagens associadas aos/às representados/as.” (Peça, 2010:29).
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Terceira onda
A terceira onda do feminismo surgiu em meados da década de 1990, liderada pelos membros da Geração X (indivíduos nascidos entre o período de 1960-1980), como resposta aos falhanços das iniciativas implementadas pela segunda onda.
Enquanto ideologia, esta fase do movimento, composta por um grupo mais diverso cultural e economicamente, pretende desafiar as definições da feminilidade, procurando amplificar o conceito de feminismo e dar resposta às dificuldades de todas as diferentes comunidades que pudessem ser vítimas de discriminação de género (por oposição à supremacia da mulher branca de classe média, o destaque da onda anterior).
“A maior parte das mulheres envolvidas em enunciar a opressão da Mulher eram brancas e de classe média. Nós gastávamos, mesmo que não o ganhássemos, ou controlássemos, enormes quantidades de dinheiro. Por causa da nossa participação no estilo de vida da classe média, éramos as opressoras de outras pessoas, das nossas pobres irmãs brancas, das nossas irmãs negras, das nossas irmãs sul-americanas (…)”(Dworkin, 1974:21).

A última (até ao momento) onda feminista surgiu graças à emancipação da mulher a nível profissional e económico, ao surgimento de novos horizontes, possibilidades e oportunidades no que à expansão da informação diz respeito e ao amadurecimento e inserção de ativistas jovens no seio do Movimento.
Dedicada ao apoio de grupos que trabalhavam as questões de género, raça, economia e justiça social, a terceira onda foi fundada por Rebecca Walker, Jennifer Baumgardner e Amy Richards – nascidas em 1970 e criadas por ativistas feministas. Alguns dos valores defendidos por esta vaga são a igualdade de género, de identidade, sexo-positivo, corpo-positivo, fim da violência contra mulheres, reestruturação da imagem mediática feminina, redefinição dos conceitos de masculinidade e beleza e sustentabilidade.
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A terceira onda caracteriza as vidas de todos os membros de uma sociedade como sendo “interseccionais” – ou seja, fatores como raça, etnia, religião, classe social, nacionalidade e género ganham peso na medida em que se tornam essenciais quando o tema de discussão é a (in)tolerância.
Baseada na impossibilidade da existência de uma identidade universal da Mulher - pois estas possuem diferentes personalidades, culturas, nacionalidades (…) - a mais recente fase do movimento defende que todas as histórias e todas as vozes merecem ser ouvidas.
Utilizando um registo característico, os embaixadores feministas da terceira onda possuem um estilo de luta mais violento (menos passivo), optando por ironicamente inverter o sexismo e estereótipos sociais antiquados. A violência começa a ser combatida com os testemunhos das vítimas e sobreviventes e a exclusão política tem como inimigo o ativismo e democracia radical. Deste modo, podemos afirmar que a tática principal consiste na sabotagem de um sistema obsoleto e arcaico.
Influenciada pela pós-modernidade, a terceira onda pretende redefinir os conceitos e ideias que dão origem à discriminação, alterando por completo a noção de género ao quebrar com a corrente de pensamento que defendia existirem características exclusivamente femininas ou masculinas.
A liberdade sexual foi também vista com um dos principais objetivos, vindo a ser desconstruída desde então. O movimento de pró-sexo, intrinsecamente ligado ao movimento feminista, pretende atingir a liberdade sexual educando de igual maneira todos os indivíduos rumo a uma sexualidade saudável e independente. Com o objetivo de eliminar os sentimentos de culpa e vergonha, comportamentos criminosos como violação/abuso e doenças mentais como vício e/ou fobia que assombravam as gerações anteriores – que careciam de educação sexual – pretende-se incentivar os indivíduos a não recearem, ou temerem o seu lado sexual, eliminando assim o espaço de desenvolvimento de atitudes e consequências negativas.
No que diz respeito à linguagem, o Movimento Feminista pretende retomar o controlo sobre termos ofensivos e pejorativos conotados como indecentes e obscenos, devido à sua associação feminina – algo que raramente acontece com palavras com carga, ou vinculação masculina. Esta fase do feminismo defende que a língua é uma das ferramentas utilizadas para criar preconceitos e justificar discriminações com base no género. É, portanto, possível afirmar que a terceira onda luta pela reestruturação da linguística e da maneira como esta retrata as mulheres de uma sociedade
Os ativistas revelam-se também preocupados em criminalizar e dar mais importância à violência contra mulheres (em todas as suas diferentes formas de manifestação, como pedofilia, tráfico sexual, escravatura sexual, violação, violência doméstica, etc…), demonstrando à sociedade a falta de apoio fornecida às vítimas e denunciadores. A defesa dos direitos de reprodução da mulher é um tema central da terceira onda, pois esta defende que cada indivíduo é responsável pelo controlo – total e independente – da sua fertilidade, o que leva à defesa da existência de serviços de saúde como controlo parental e legalização da interrupção voluntária da gravidez.
bibliografia
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