Quando a palavra vítima tem género
- des-iguais
- 8 de mai. de 2020
- 3 min de leitura

Já em 1980, com a assinatura da Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Contra as Mulheres (CEDAW), que os Estados assumiram oficialmente que a mudança no paradigma tradicional – que atribui a cada um/a determinado papel social com base no género – é fundamental para alcançar a verdadeira igualdade entre homens e mulheres.
Apesar dos 40 anos de vigência da CEDAW, continuamos a assistir a um cenário de enorme desigualdade, sendo o crime e a violência as suas mais gravosas manifestações[1]. O United Nations Office on Drugs and Crime (UNODC) identifica várias formas de violência que afetam desproporcionadamente as mulheres em todo o mundo, como casamento forçado, assédio sexual, mutilação genital feminina, tráfico de seres humanos, violação e violência doméstica[2].
A Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) celebra este ano 30 anos de apoio às vítimas de crime. Esta longa experiência na defesa dos direitos das vítimas e na luta contra a criminalidade tem permitido confirmar o impacto provocado pela violência baseada no género.
Por dia, e em média, os Gabinetes de Apoio à Vítima (GAV) prestam apoio a 23 mulheres vítimas de crime e violência, um número quase 6 vezes superior àquele representado pelos homens. Só no ano de 2019, a APAV registou um total de 11 676 vítimas de crime apoiadas, das quais cerca de 80% eram mulheres[3].
Focando-nos somente na violência doméstica (que representa 79% dos processos de apoio levados a cabo pela APAV[4]), podemos concluir que esta vitimiza 6 vezes mais as mulheres do que os homens[5]. A este crime acresce o de violação, no qual cerca de 92% das vítimas são do sexo feminino[6]. Em ambos os casos os agressores são maioritariamente do sexo masculino[7].
Para erradicar a violência com base no género é preciso reconhecer que a mesma parte da desigualdade entre homens e mulheres. O modelo ecológico[8] ensina-nos que esta violência radica no complexo de atitudes pessoais do agressor, atitudes sociais – como as diferenças de poder económico e político que se verificam entre os dois géneros -, atitudes comunitárias – que aceitam a violência como forma de resolver conflitos e alastram noções de masculinidade ligadas ao domínio do comportamento feminino – e ainda atitudes relacionais – como o tradicional papel do chefe de família em controlo das decisões familiares.
A APAV orgulha-se do apoio prestado às vítimas de crime e continuará sempre disponível para ajudar quem mais precisa, atuando no terreno com as vítimas, mas também junto dos decisores políticos e da sociedade em geral, pois só uma atuação concertada e com a força de todos e todas permitirá travar o flagelo do crime e da violência. Só o trabalho em conjunto nos levará à verdadeira igualdade entre homens e mulheres, cumprindo os desígnios há muito assumidos.
Patrícia Rodrigues
Técnica de Projeto
Jurista nos serviços da sede da APAV
[1] Instituto Europeu da Igualdade de Género, “What is gender-based violence?” (s/d) https://eige.europa.eu/gender-based-violence/what-is-gender-based-violence [2] UNODC, “Topic one - Ending violence against women” (s/d) https://www.unodc.org/e4j/en/crime-prevention-criminal-justice/module-10/key-issues/1--ending-violence-against-women.html [3] Estatísticas APAV, Relatório Anual 2019 (2020) https://apav.pt/apav_v3/index.php/pt/estatisticas-apav [4] Ibid.
[5] Estatísticas APAV, Vítimas de Violência Doméstica 2013-2017 (2018) https://apav.pt/apav_v3/index.php/pt/estatisticas-apav [6] Estatísticas APAV, Crimes Sexuais 2013-2018 (2019) https://apav.pt/apav_v3/index.php/pt/estatisticas-apav [7] Ibid. [8] Lara Fergus, “What causes violence against women?” (s/d) https://www.fokuskvinner.no/aktuelt/saker/what-causes-violence-against-women/
Sede | Head Office Rua José Estêvão 135-A | piso 1
1150 - 201 Lisboa | Portugal
T. + 351 21 358 79 00 | F. + 351 21 887 63 51 | apav.sede@apav.pt
Comments